Como a epidemiologia pode ajudar a prever o impacto do cenário atual na saúde das populações no futuro? Estudos de forecasting ou prospectivos têm sido desenvolvidos na área de avaliação de políticas públicas com o intuito de apontar cenários e apresentar evidências para sua implementação. Para o pesquisador Davide Rasella (IGM/Fiocruz), que desenvolveu estudos sobre o impacto dos programas Saúde da Família e Bolsa Família sobre a mortalidade após a implementação das políticas, as pesquisas prospectivas podem apresentar dados importantes sobre prováveis efeitos da austeridade fiscal para a saúde dos/as brasileiros/as nos próximos anos.
Os estudos prospectivos podem ser desenvolvidos a partir de diferentes métodos, como séries temporais, modelos compartimentais e micro simulações. Trabalhando com este último, Rasella explica que o trabalho com estudos prospectivos na epidemiologia tinha como foco tradicional o estudo da propagação e controle de doenças infecciosas e que as avaliações de impactos das políticas são geralmente retrospectivas, sobre intervenções de saúde pública feitas no passado. “Até uns anos atrás não se tinha um grande conhecimento de como fazer essas avaliações, como construir cenários dos efeitos de um tipo de intervenção na população no futuro. Isso era mais desenvolvido no campo da economia do que em outros campos sociais e na epidemiologia”, comenta.
O pesquisador afirma que a opção pelas micro simulações tem como motivo a disponibilização de mais dados, melhores parâmetros, mais estudos e softwares mais eficientes para a técnica, além da possibilidade de simular o indivíduo. “[As micro simulações] não olham o geral da população, permitem fazer a modelização matemática de cada indivíduo da sua população de estudo. Isso é muito importante, sobretudo quando se quer estudar a desigualdade, ou seja, você não quer ver somente o efeito de uma política geral na população, mas quer ver também o efeito em subpopulações, tipicamente querendo estudar como as populações mais pobres estão respondendo a uma política em comparação às populações menos pobres”.
Futuro é uma incógnita
“Claramente ninguém é capaz de prever o que vai acontecer, mesmo em termos do Brasil. Nesse momento é muito incerto ainda as previsões econômicas, o quanto a crise vai aumentar ou diminuir, quando a pobreza vai começar a diminuir, porque está só aumentando. A incerteza nesses parâmetros tem que ser considerada em uma pesquisa sobre o futuro e nós o fizemos em nosso estudo”, pondera Rasella, destacando que o avanço na produção de informações, bigdatas (grandes bases de dados), na potência dos computadores e sofisticação de modelos matemáticos permite previsões cada vez mais apuradas: “Nosso objetivo, como cientistas, é criar projeções e cenários o mais acreditáveis possíveis, mais robustos e, sobretudo, comunicar alguma coisa que dê confiança”.
Junto com pesquisadores estrangeiros e brasileiros de diferentes instituições de ensino e pesquisa – Imperial College London, Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/RJ e Universidade de Stanford – Rasella tem desenvolvido uma pesquisa sobre os impactos da atual conjuntura na mortalidade infantil. O estudo foi submetido para publicação em um periódico científico e está em processo de avaliação.
O pesquisador ressalta que a simulação do futuro foi construída a partir de parâmetros de estudos retrospectivos dos últimos 10 anos, gerando um estudo robusto, com uso de dados sobre o Brasil, baseados no que aconteceu no país no passado – “[...] os modelos de parâmetros que nós pegamos não são da literatura internacional, não são de outros países, não são de outros estudos diferentes, mas são exatamente do Brasil”.
Conjuntura mobilizou pesquisadores, afirma pesquisador
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